O desafio contemporâneo para as marcas na cultura digital

Para quem cresceu, assim como eu, na década de 1980, havia um item importante ao lado do telefone, acionado até então por um disco ou teclas, tão importante que costumava ser guardado em uma gaveta no móvel que dava suporte ao aparelho. A agenda telefônica. Nessa época era comum sabermos “de cabeça” o telefone de um bom número de amigos, familiares, bem como suas datas de aniversário. Éramos mais capazes? Não é essa a questão, o teórico das mídias Marshal McLuhan, criador do aforismos o meio é a mensagem, antecipou em décadas os efeitos da cibercultura ao dizer que os meios de comunicação são extensões do homem e que estes alteram nossa cognição e percepção rumo ao mundo social. Somos produto da nossa cultura e vivemos em uma cultura digital, algumas engrenagens desse sistema são mais visíveis, outras nem tanto, mas o fato é que essa sociedade redesenhou de maneira profunda as mais diversas relações encontradas nela. As relações com quem estão próximos ou pretendemos que um dia estejam, encontram respaldo nos comunicadores instantâneos que possibilitam os grupos de família e os aplicativos de namoro adicionam novas sociabilidades. Novos modelos de negócio surgiram e outros sumiram do mapa. Há no ar uma sensação que é tudo novo agora.

Ainda estamos na era da informação?

A capa da revista da Time de 2006, em seu suplemento personalidade do ano, trazia uma tela de computador e uma única palavra você! Além disso dava as boas vindas a era da informação. Em sua primeira fase a cultura digital viveu a era do upload, ou seja, alimentamos o ciberespaço com informações diversas, os sites, os serviços bancários, institucionais, entre outros, foram preencher um ambiente de 0 e 1 até que a chegássemos na era do download, onde estas informações passam a alimentar não apenas os gadgets, mas diversos outros aparelhos da chamada internet das coisas. Uma nova mídia que alterou profundamente diversas estruturas, a internet, também trouxe dilemas de um novo ecossistema em constante formação, mas foi quando a grande rede mundial dos computadores começou a criar a grande rede social, o Facebook, que esta nova mídia trouxe para o centro da mesa algumas verdades inconvenientes: As bolhas de informação, Fake News, a polarização e  o discurso de ódio. As redes sociais parecem caldeirões prestes a explodir e a comunicação por vezes se torna incomunicação. Que o Facebook não produz conteúdo todos já sabemos, porém também não filtra e literalmente qualquer coisa pode ser propagada e por um breve período, as vezes nem tão breve assim, adquirir status de verdade absoluta. Se está na internet é verdade! Não, não é!

Para tudo aquilo que não podemos racionalizar a respeito, não operamos somente no modo consciente, muito ao contrário, e por isso para um mundo que não compreendemos boa parte do preenchimento desta “realidade” virá de um pacote chamado crenças. Escolhemos rapidamente acreditar em uma determinada postagem, em um determinado conteúdo, porque ele dialoga diretamente com o que acreditamos. E nesse ponto há um desafio para todos nós. Em que devemos acreditar? Enquanto algumas imagens falsas afrontam algumas pessoas, outras se sentem confortadas porque elas reforçam sua visão de mundo. Esse material dirigido cria a tão falada bolha, ou seja, estamos recebendo conteúdos que não sabemos quem redige, se há um alguém de fato ou se está a serviço de uma engrenagem maior, não sabemos qual a linha editorial, se houve uma checagem de fontes, mas há geralmente um endosso de um amigo que compartilhou, de um familiar que colocou no grupo ou do sistema que separa para exibir somente aquilo que ele assume que você gostaria de ver.

É assim que nos separamos em bolhas, em nós contra eles e mentiras se propagam.

Pós-Verdade e as marcas

A pós-verdade se caracteriza com a sobreposição das crenças pessoais, olha elas novamente, acima dos fatos. O que eu acredito ganha o reforço dos algoritmos que mostram aquilo que eu desejo ver e não serei contraditado.

Robôs garantem que esse conteúdo, antigamente chamado de boato ou fofoca, se espalhe de maneira exponencial. Todos podemos ser vítimas de uma informação falsa ou de um ataque de comentários que visam desqualificar uma das riquezas da rede, a possibilidade de diálogos. Se o conteúdo é rei, checar a veracidade antes de compartilhar é uma grande riqueza. Mas há algo além. Em uma época em que as marcas passam a adotar propósitos claros e valores inegociáveis, se torna cada vez mais delicada a vivência digital.

Alguns pontos para atenção:

O tempo

Se antes das redes sociais digitais uma resposta em 24 horas era um gol e tanto, para os nativos digitais parece uma eternidade. A possibilidade de checar respostas o tempo todo, com auxílio dos smartphones, traz a ansiedade e a velocidade dos processadores que não para de aumentar alterando nossa percepção de tempo. Não crie canais de atendimento que não possam ser gerenciados para respostas rápidas. 24 horas já não é ideal, mais que isso é um problema.

Os valores

Por mais que soe atraente “surfar” em tópicos emergentes, a consistência é a mãe da percepção. Não atraia para si uma atenção que pode virar decepção se não há uma estratégia de produto e a comunicação será pontual e descartada rapidamente.

A diversidade

Ter uma equipe com representatividade baseada em diversidade vai proporcionar uma visão adequada de um mundo cada vez mais diverso. Diversidade é rentável, é estratégica e é justa.

O legado

De que forma você contribui com as questões levantadas até aqui. Como pode não depender de uma casa que não é sua? Ainda que você não possa abrir mão do Facebook e do Google, uma leve mudança de algoritmos faz toda a diferença. Os maiores anunciantes globais, P&G e Unilever, tem reduzido seu investimento em digital e pressionado o Facebook para adotar mais transparência com a questão do Fake News e os discursos de ódio. Apesar da redução, suas receitas continuaram a subir. Faz sentido para seus consumidores que de alguma maneira estas marcas cobrem uma melhora no mundo e sejam parte dessa solução, utilizando o poder que possuem.

A rapidez

Errou? Assuma rapidamente e veja como reparar. Detectou o uso de robôs para desqualificar sua posição ou pessoas que estão diametralmente em lado oposto aos seus valores? Responda com os seus valores! Ser claro e honesto fará um grande link com quem de fato acredita no que você acredita. Você não vai agradar todo mundo, porém não desagrade quem de fato comprou seu propósito.


Rodrigo Amorim: mestre em comunicação e pesquisador pela Faculdade Cásper Líbero. Com 15 anos de experiência em projetos de branding e comunicação para empresas nacionais e multinacionais. Professor em cursos de pós-graduação e palestrante.

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