Os significados das marcas e o inconsciente coletivo de Jung
Muito poderia ser dito a respeito da construção de uma boa comunicação de marca. No entanto a comunicação realmente grande, aquela que cria, interage constrói e sustenta as grandes marcas, incorpora paradoxos elementares. Pearson (2016) ressalta que elas se beneficiam de verdades fundamentais pertinentes e inerentes à natureza humana.
Para que as marcas sejam pertinentes e criem significado para seus públicos de interesse, é preciso que as mesmas invistam em uma gestão contínua de modo a deixar evidentes seus diferenciais de suas demais concorrentes.
Esse é um fator que está atrelado ao constante monitoramento das mudanças culturais e aos novos anseios dos consumidores, fazendo assim com que as marcas precisem se adaptar e reinterpretar seus atributos à medida que o comportamento do consumidor e a cultura mudem.
Entretanto, mesmo com todas as mudanças sociais decorrentes das novas interpretações culturais e influências econômicas, é dado que independentemente da cultura, o indivíduo possui padrões comportamentais que estão conectados mais a um fator inconsciente do que às influências do meio.
Jung (1942) identificou este padrão comportamental e o denominou como “inconsciente coletivo”. A grosso modo, tais padrões seriam inerentes ao lugar no qual o indivíduo nasceu ou mesmo ao tempo ao qual ele pertence. Em suma, trata-se de um padrão comportamental hereditário pertencente a todos, algo relacionado a um inconsciente impessoal, ou seja, repleto de conteúdos e interpretações que transcendem as memórias e as referências construídas cotidianamente.
Em suma, Jung explica arquétipos como “formas ou imagens de natureza coletiva, que ocorrem em praticamente toda a Terra como componentes de mitos e, ao mesmo tempo, como produtos individuais de origem inconsciente”. (JUNG, 1942, apud MARK e PEARSON, 2016, p. 18).
Sabe-se que as marcas nos identificam em determinados meios. A partir do consumo nos expressamos e tornamos notório nosso Self[1] social, que está em uma constante busca por crescimento e por tornar-se percebido, o que nos faz buscar significado justificando nossas decisões de consumo.
Logo, as marcas ajudam a nos conceituar como indivíduos, expressam nossos anseios e são simbolicamente a expressão do nosso inconsciente, contudo, para que nos vejamos identificados por tais marca é necessário que os mesmos construam significados que dêem vida a nossa natureza arquetípica.
Mark e Pearson (2016) opinam que quando uma marca evoca seus arquétipos de forma ativa, ela consegue trazer aos seus produtos significados profundos, além de integridade e sinergia em toda sua gestão, pois, os significados arquetípicos são aquilo que tornam as marcas vivas para as pessoas, por se tratarem, além de tudo, de uma ressignificação da natureza humana.
A simbologia arquetípica
Os arquétipos são construídos baseados em mitos que por sua vez participaram da história da humanidade e atravessaram os séculos sem que sua essência fosse de fato modificada. Dos gregos aos romanos, dos aborígenes aos ameríndios, grandes contos primordiais na formação da cultura destes povos foram representados por meio de suas deidades, essas que em muitos aspectos se aproximavam dos homens comuns não somente em suas qualidades, mas também em seus defeitos e desejos mais profundos.
Mark e Pearson (2016) explicam que os mitos representam as preocupações humanas falhas e desejos que são atemporais, dessa maneira esses mitos seriam as expressões dos dramas íntimos de cada ser humano. E por conversarem com a parte mais íntima de cada um de nós, expressam-se como algo comum à nossa natureza.
De um ponto de vista mercadológico, comparando o tempo de exposição que as marcas possuem para conseguir cativar os consumidores, levando em consideração também a gama de outras marcas disputando o mesmo espaço na mente de cada indivíduo, o uso de histórias e símbolos que são comuns a todos seria uma forma de comunicar de forma mais rápida e com uma quantidade maior de elementos e atributos com esses consumidores. Na visão Junguiana, nascemos com uma ressonância instintiva às histórias arquetípicas, graças à inúmeras configurações que formam nossa mente. Dessa forma, o significado de uma marca pode ser melhor compreendido simplesmente pela evocação desses conceitos e histórias que são comuns a todos.
Os arquétipos mais comuns utilizados hoje em gestão de marcas, de acordo com a bibliografia proposta no livro “O herói e o fora da lei” de Mark e Pearson (2016) estão representados em doze, separadas e agrupados em quatro grupos de acordo com a semelhança de cada um deles.
O primeiro deles é o grupo composto pelos arquétipos do Inocente, do Explorador e do Sábio, representam os anseios dos consumidores que guardam na memória ou em seus desejos a vontade de encontrar um lugar melhor, ou de mudar o local onde o estão. Esses arquétipos simbolicamente buscam a representação da harmonia do útero, espiritualmente falando, nos sugerindo a busca de um lugar onde sejamos preenchidos com significado.
O Inocente é o arquétipo que pode ser claramente visto com o aspecto juvenil e imaturo, ele vivencia as coisas momentâneas com um ar puro quase angelical, aproveitando o momento e confiando na bondade das pessoas. Ele busca sua realização e se identifica por aqueles que oferecem experiências, mesmo que momentâneas, de paz e bondade.
O Explorador é o arquétipo do constante inquieto por estar sempre carregando o fardo do sentimento de não pertencimento e, por isso, busca seus semelhantes que também sentem tal insatisfação e inquietude, como se a todo momento estivessem buscando algo melhor, ele é reverenciado ao ajudar pessoas que estão em busca não somente de lugares físicos, mas também na inquietude da busca pessoal por si mesmas. Pois, toda busca externa na verdade é uma tentativa de se encontrar internamente. Sendo assim, os produtos exploradores estão, também, em ressonância com consumidores que querem ingressar nessa jornada de autodescoberta.
O Sábio interpreta esse reencontro com sua felicidade através de seu aprendizado de acordo com o resultado de suas instruções de seu conhecimento adquirido. Para ele, a vida hoje precisa de um certo grau de despertar da consciência, uma maturidade, e toda essa sabedoria os ajuda a colher da vida o que há de melhor. Os sábios se identificam com marcas que promovam esse despertar, essa instrução por meio do conhecimento, e da realização por meio da inteligência adquirida.
Outro grupo arquetípico é formado pelos protagonistas das mais folclóricas histórias da humanidade. Integrantes deste grupo são o Mago, o Herói e o Fora da lei. Os três arquétipos existem no intuito de exercer seu poder, seja sobre os outros, sobre determinadas situações, sobre acontecimentos, condições ou fatos, logo, fazem sentido a consumidores que buscam alcançar suas próprias metas, haja o que houver que tentam despertar sua força interior transformadora, e triunfar sobre adversários reais ou mesmo obstáculos pessoais, oferecendo identidades de marcas que possuem impacto transformador sobre seu tempo ou lugar.
O Mago é o arquétipo que age principalmente com sua natureza transformadora no intuito de alterar a realidade e moldar os fatos. Sua energia emana as forças da mudança de forma quase miraculosa e instantânea. Seu aspecto primordial está em compreender a essência das coisas e aplicar tais princípios para a metamorfose. O Mago é o arquétipo mais usual para marcas que se baseiam na promessa da transformação, da fuga da realidade das experiências transformadoras.
O Fora da Lei apesar de ser visto na mitologia como um transgressor, possui uma identidade magnética, pois carrega em si uma natureza selvagem e turbulenta, agindo com uma força destruidora que ignora as regras e contextos sociais e culturais, muitas vezes em busca de realizações pessoais ou também pelo bem de outros (Robin Hood).
A psicologia Junguiana preconiza que todos os indivíduos e as culturas possuem sombras, qualidades ou atributos que socialmente não são bem aceitos e, portanto, negados ou ocultados de modo que as pessoas se recusam a conhecer suas próprias sombras. Neste caso o arquétipo do Fora da Lei viria como uma projeção das sombras ocultas de cada indivíduo, ou seja, sentimentos que comumente não seriam aceitos em um convívio social. Desta forma o Fora da Lei existe como uma forma de libertar todas essas paixões reprimidas e toda a rebeldia contida dentro de cada indivíduo.
O Herói é o mais comum entre os arquétipos encontrados na história. Todas as civilizações indubitavelmente construíram as histórias de seus símbolos baseadas em força, vitória, triunfo, perseverança e um grande apelo emocional de superação, que são energias que muito caracterizam este arquétipo.
O mito do herói e sua jornada inesgotável pela justiça, superação e aprendizado, formam enredos associados àqueles que querem construir um mundo melhor, mesmo que isso implique sacrifícios pessoais em prol de uma causa maior. Sendo assim é comum vê-lo personificado em grande parte das narrativas das marcas, principalmente aquelas que possuem na essência de seus produtos a idéia de superação, força, disciplina, determinação, virilidade e principalmente da conquista da vitória.
O próximo grupo arquetípico caracteriza-se principalmente em uma das necessidades mais básicas do ser humano, a necessidade de se socializar e se relacionar com seus pares. Os arquétipos do Cara Comum, do Amante e o Bobo da Corte, são poderosos ao expressar este tipo de sentimento, o de se conectar.
Os consumidores buscam em marcas que assumem essas características arquetípicas meios de facilitar a interação e a conexão com outras pessoas. Independentemente daquilo que digam essas marcas baseiam-se principalmente na necessidade humana de ser aceito por alguém, em algum grupo ou meio.
O Cara Comum representa uma ideia essencial de aceitação de cada um de nós, ela se baseia no fato de que possuímos características e virtudes comuns a todos. Ela está associada a força que relaciona a beleza da vida nas coisas simples, no desprendimento material, e na falta da necessidade de uma segregação social. Marcas que adotam este arquétipo geralmente ajudam seus consumidores a despertarem o espírito de pertencimento, ligados a uma vida cotidiana e simples.
O arquétipo do Bobo da Corte é o mais utilizado para lidar com leveza no mundo burocratizado que vivemos. Ele está associado à energia humana de buscar a diversão, e de fortalecer as interações (mesmo que de maneira inconsequente) ao hedonismo e à necessidade de se entregar aos momentos presentes sem se preocupar com regras ou conseqüências.
Marcas associadas a este arquétipo ajudam indivíduos a serem espontâneos e a desenvolver sua autoconfiança nas relações sociais. Por estar associado a uma satisfação em quebrar regras, essa força arquetípica pode representar um rompimento entre o indivíduo e suas próprias amarras pessoais, seus limites, vergonhas, receios e preocupações.
Dentre todos os arquétipos, o que possui maior força sexual é um dos mais comumente encontrados na comunicação é o Amante. Desde Afrodite, Cleopatra a Don Juan de Marco, a história lembra da energia de seus maiores amantes e sua maneira quase que hipnótica de seduzir as pessoas e alcançarem seus objetivos por meio da força dessa atração.
Qualquer marca que tem em sua comunicação implicitamente a promessa da beleza e da atração sexual, é uma marca amante. Trabalhado amplamente na indústria da moda, estética entre outros segmentos que se baseiam nessa premissa.
No entanto, apesar da energia deste arquétipo estar fortemente atrelada ao poder do desenvolvimento da identidade sexual, ela governa forças de todos os tipos de amor humano, desde o paternal à amizade espiritual, mas principalmente no amor romântico.
O Criador, o Prestativo e o Governante são energias que regem o mundo e zelam pelo seu desenvolvimento e sobrevivência. Eles guiam os indivíduos a como preservar a ordem, a estabilidade e a conter seus desejos de forma coerente a fim de prover a mudança, o crescimento e a descoberta de novas oportunidades.
O Criador pode ser personificado hoje como o artista, o inventor, aquele que está sempre inquieto. Sua paixão está na auto expressão e na produção de novas saídas. Essa força arquetípica está presente em marcas que não se encaixam aos padrões e estão sempre buscando soluções diferentes para os problemas. Se a marca de alguma maneira pensa diferente e dentre suas promessas está a inovação de uma maneira singular, essa marca se baseia na energia do Criador.
Governante é aquele que assume o controle da situação, principalmente quando as coisas parecem estar fora de controle, seu papel primordial se baseia no sentido de dar um rumo a situações ou a ambientes que não podem falhar. Sua palavra principal é a segurança, mas para que tal segurança ocorra é preciso que todas as situações, independentemente de quais sejam, passem pelo crivo e a apreciação do Governante. Por isso, em muitos casos o Governante pode ser visto como uma figura autoritária no entanto procurada por todos quando tudo parece fugir do controle principalmente nos períodos turbulentos.
Marcas governantes são evocadas quando existem situações onde não podem haver falhas, onde o controle sobre os processos deve ser rigoroso, ou mesmo no intuito de demonstrar a superioridade de seus portadores, um exemplo seriam artigos de alto prestígio ou mesmo serviços de segurança ou que estejam relacionados a setores financeiros.
E por último dentre os arquétipos relacionados pelas autoras Mark e Pearson (2016), temos o Prestativo. Dentre todos é o arquétipo mais trabalhado no sentido de ajudar a outras pessoas. Ele carrega uma simbologia que agrega as figuras mais populares de nossa história, além de grande parte das mais amadas também. É um arquétipo considerado altruísta movido pela compaixão e pela preocupação com os outros, além de um enorme desejo em ajudar.
Por assim pensar, as marcas prestativas geralmente antecipam as necessidades de seus consumidores, ou mesmo estão se colocando sempre no lugar deles de modo a se aproximar e a buscar as melhores maneiras de ajudá-los.
O Prestativo é essencial no desenvolvimento das relações humanas, as pessoas de certo modo se interessam pelo que acontece com seus semelhantes, se revoltam em condições de injustiça, e se identificam com aqueles que valorizam as relações humanas mais simples e principalmente no enorme significado existente nessas relações.
Saiba quem sua marca é…
Mark e Pearson (2016) diferenciam este novo modelo de gestão chamando-o de marketing arquetípico e se opondo ao marketing de estilo de vida que basicamente se baseia na premissa de que as pessoas querem se ver espelhadas na comunicação das marcas enxergando a si mesmas na propaganda.
No caso o marketing arquetípico, em extremo oposto, baseia-se em anseios não realizados, levando as pessoas a uma resposta em nível mais profundo às coisas que lhe faltam e não as coisas que elas já possuem. Pois, elas se beneficiam de verdades fundamentais e pertinentes e inerentes da natureza humana.
Essa evolução do sistema de gestão de marca baseia-se na premissa de que não basta apenas perguntar aos consumidores através de pesquisas o que eles anseiam, mas sim, compreender de forma tão profunda seus verdadeiros desejos e sua verdadeira natureza de modo que toda comunicação, mesmo que difundida a uma massa, falará diretamente com cada indivíduo, pois estará expressando antes de qualquer coisa pontos que identificam seu verdadeiro eu.
É importante ressaltar que as figuras arquetípicas trabalhadas acima fazem parte de uma compilação apresentada na bibliografia analisada, no entanto não contemplam todas as figuras arquetípicas existentes. O próprio Jung dizia que existem vários arquétipos identificados na cultura, que se reinventam e ressurgem conforme o momento e a humanidade evoluem, eles podem surgir e ser chamados de vários nomes, no entanto eles apenas se ressignificam de acordo com o tempo que são estudados.
E então, quais características se assemelham mais com aquilo que almeja para sua marca, quais valores são reais a você e que de certa forma se identificam com os arquétipos apresentados? Tente identificá-lo e se aproprie também das demais características arquetípicas que fazem sinergia com aquilo que sua marca e seus consumidores esperam, verá que além de uma marca estará construindo também um símbolo, e como tal carregam significados que falarão diretamente com a essência do ser humano.
[1]Self pode ser compreendido como autoconceito. James (1890) o define como um conjunto de tudo o que o indivíduo pode chamar de seu, não somente suas capacidades físicas e mentais, mas também tudo aquilo que a ele pertence como seus amigos, parentes trabalho ou relacionamentos. Ele possui também uma propriedade reflexiva de seu pensamento consciente, ou daquilo que projetaria como sendo seu “eu” ideal em um sentido mais subjetivo. Disponível em: James, W. (1890). The principles of psychology. New York: Holt.
Artigo adaptado do original publicado no livro “Branding & Marketing Digital”, texto na íntegra com o nome: “ com o nome “Mulheres e o Esporte: Uso de Arquétipos Junguianos na Gestão de Marcas de Clubes de futebol”. Disponível em: https://www.editorareflexao.com.br/branding-e-marketing-digital/p/679http://www.youblisher.com/p/1892565-Anais-SEMIC-Cultura-2017-2/
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOECHAT. Walter. O livro vermelho de C.G Jung: Jornada para profundidades desconhecidas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
JAMES, W. The priciples of psychology. New York: Henry Holt and Company, v. 1, 1890.
JUNG, Carl G. O inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo, 1942.
__________ O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
__________ Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2000.
__________ O Livro Vermelho: Liber Novus. Petrópolis: Vozes, 2010.
MARK, Margaret; PEARSON, Carol. O herói e o fora-da-lei: como construir marcas extraordinárias usando o poder dos arquétipos. São Paulo. SP: Cultrix, 2016